Você já deve ter sentido isso na pele: ao tentar fazer um monte de coisas ao mesmo tempo, acabou começando várias e não terminou nenhuma... Quem se identifica?
Cada dia mais a complexidade ao nosso redor aumenta: temos uma infinidade de tarefas e compromissos, uma quantidade crescente de opções de escolha, muitos caminhos que queremos seguir! E não sabemos lidar com esta complexidade: estudos de psicologia comportamental realizados nos últimos 50 anos comprovam que nós, seres humanos, temos limitações cognitivas intrínsecas para decidir bem em situações complexas, ou seja, quando temos um número grande de objetivos e de opções a serem consideradas, além de um nível grande de incerteza sobre os resultados possíveis (MONTIBELLER & WINTERFELDT, 2015).
Por isso é tão importante usar uma metodologia para apoiar a tomada de decisão de forma racional, e saber priorizar adequadamente. Em nossas dicas semanais no LinkedIn já falamos um pouco sobre os desafios de priorizar e fazer bons trade-offs (dica #10), devido ao apego que temos e dificuldade para abrir mão de alguma coisa. O problema é que quando tudo é importante, nada mais é importante!
Calma que explico melhor! Na metodologia multicritério que utilizamos em nossa abordagem para tomada de decisão isso fica muito claro no momento de colocar os pesos nos critérios escolhidos. Os pesos devem somar 100 pontos, que são divididos entre os critérios conforme as preferências de priorização dos decisores. Para entender na prática como isso funciona vamos analisar duas situações, utilizando como exemplo a escolha de um modelo de carro para comprar. Os critérios de seleção definidos são:
Situação 1
1. Preço (50)
2. Motorização (20)
3. Espaço interno (30)
Situação 2
1. Preço (20)
2. Freios ABS (5)
3. Número de airbags (5)
4. Design (8)
5. Cor (2)
6. Motorização (10)
7. Valor do seguro (7)
8. Especificação das rodas (3)
9. Tipo de câmbio (7)
10. Tamanho do porta-malas (5)
11. Sistema de som (5)
12. Espaço interno (15)
13. Funções do piloto automático (3)
14. Rede de assistência técnica (5)
Os valores entre parênteses são os pesos colocados para cada critério (que na prática são definidos pelos decisores), e que representam a priorização do critério na decisão. Repare que na Situação 1, com apenas 3 critérios, os pesos têm valores muito maiores (são mais relevantes) do que na Situação 2, na qual os 100 pontos estão sendo divididos entre 14 critérios.
Isso significa que se um dos modelos de carro se destacar no espaço interno isso vai ficar muito mais claro na Situação 1 do que na Situação 2. Ainda mais, para os critérios da Situação 2 com peso muito pequeno é provável que a diferença da pior performance para a melhor performance do critério (entre as alternativas existentes) nem faça diferença no resultado da escolha final, pois sua relevância na decisão é baixa. Logo estes critérios de baixo peso não estão sendo diferenciadores na decisão e, portanto, somente dificultam a análise (lembra da nossa limitação cognitiva?), sem fazer diferença no resultado.
A cada novo critério incluído em uma tomada de decisão estamos reduzindo a importância dos demais critérios.
Fica claro que na Situação 2 cada um dos critérios tem menor participação, fazendo com que se perca o foco dos elementos que são realmente prioritários para a melhor decisão (quando tudo é importante, nada mais é importante). Como fazer então quando temos um grande número de critérios a considerar?
Existem algumas formas de considerar um grande número de fatores na decisão de forma estruturada, mantendo a importância da priorização. Vou destacar duas que costumamos utilizar em processos seletivos de grande complexidade:
1. Criar uma estrutura hierárquica para os critérios, agrupando-os em conjuntos com similaridades. No exemplo do carro, poderíamos criar um critério “Segurança”, que avalia os equipamentos de segurança que o veículo pode ter, como freios ABS, quantidade de airbags e outros. O critério pode ser composto por um check list de itens, e cada item do check list pode ter uma nota de performance; juntos todos os itens compõem a pontuação deste critério;
2. Transformar alguns critérios em pré-requisitos. Se a performance não faz diferença no resultado, não deveria ser um critério de avaliação, e sim o que chamamos de requisito de qualificação. Por exemplo, se eu desejo que o veículo tenha câmbio automático (e não aceito câmbio manual), isso não precisa ser um critério com peso atribuído, e sim um filtro na decisão. Em uma decisão complexa, saber claramente o que é um pré-requisito e o que é um critério de avaliação ajuda a tornar a análise mais simples e objetiva.
E então? Concorda que quando tudo é importante as coisas perdem a importância? Espero que tenham gostado deste artigo, e que façam boas priorizações em suas tomadas de decisão diárias!
Referências bibliográficas:
MONTIBELLER, G.; VON WINTERFELDT, D. Cognitive and Motivational Biases in Decision and Risk Analysis. Risk Analysis, v. 35-7, p.1230-1251, 2015.